A fotocopiadora não está avariada
Alexandra Delgado
O papel está em branco.
Ouço as teclas que batem vezes e vezes sem conta no teclado, numa construção de palavras que se desfaz a cada som.
Passo para o papel aquilo que me vai no pensamento. Numa dificuldade gigante que se constrói num vazio.
Há imagens que se repetem na minha mente.
Há palavras que se formam num rodopio e se espelham numa visão.
Parecem todas iguais. Como fotocópias de pilhas de folhas que nada dizem.
Um espelho de palavras, imagens, dizeres. Tudo é igual. Tudo parece o mesmo.
Impressões que não acabam, que se multiplicam a cada sonido. A cada apertar de tecla. A cada letra que se junta.
São cliques seguidos numa máquina fotográfica. Numa reprodução de frames que não acabam e que desafiam a mente na busca de diferenças.
Tudo são fotocópias. Tudo é igual. Nada é diferente.
A máquina não está avariada. Funciona perfeitamente.
Talvez seja do meu pensamento, da minha mente.
Quero diferença onde tudo é igual.
Quero mudança onde tudo se reproduz sem mudanças.
Quero algo que a fotocopiadora não me dá. Ela só tira fotocópias.
Cumpre a sua função.
Olho para a janela, numa busca de inspirição, como se procurasse o diferente. O desigual.
Procuro, nas pessoas que passam, diferenças. Todas são iguais. Gabardine preta, chapéu com abas, sapatos escuros. Parecem cópias de si mesmas. Como se se clonassem a cada passada que dão no caminho para o vazio. Um abismo singular, porém comum a todos.
Procuro no céu da noite a estrela mais brilhante, a mais diferente, a mais singular. Elas apenas se repetem. São o espelho umas das outras. Olho para o mar que espelha a lua, numa cópia do céu estrelado que a circunda.
Percebo que tudo é igual a todos os dias.
Parecem histórias que se escrevem em folhas brancas e que coloco numa fotocopiadora que imprime o dia seguinte igual ao anterior.
Um livro em que todas as páginas são iguais.Não há nada de diferente. Não há nada de novo.
Apenas páginas com coisas escritas, imagens imprimidas e dizeres gravados. Tudo está igual.
A fotocopiadora não está avariada. A vida segue e tudo permanece. Nada de diferente. Nada de novo. O mesmo caminho. O mesmo abismo. Somos fotocópias que se reproduzem para o mesmo fim.
Nota: O tema deste post, «fotocópias», foi um desafio lançado pela Lucia Costa. Acho que posso dizer: «Desafio cumprido»!