O Nada e o Sonho
«Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.»
(Fernando Pessoa, Tabacaria)
Hoje quem me inspira é Fernado Pessoa, através de Álvaro de Campos, que se afunda na sua solidão, tristeza, depressão e reflexão sobre a existência.
Há qualquer coisa em cada verso que escreve, seja a melancolia das palavras, o mergulhar no abismo da não existência ou apenas o sentido do nada. Um niilismo surpreendente de quem nega a sua existência, mas que sonha com a libertação...
Um nada que o define. Um nada que o perseguirá para a vida: a escolha de não querer ser nada.
No entanto, resta o sonho e a capacidade de o mundo conhecer através desse movimento perpétuo que observa, pela moldura da janela do seu quarto, que é a realidade dos outros. Um olhar nítido sobre os passos percorridos naquela «rua cruzada constantemente por gente / (...) inacessível a todos os pensamentos».
Será arte, sonho ou realidade?
Talvez seja tudo, até porque o sonho é o alento da realidade. E quando se torna real, ó coisa maravilhosa que é arte da sua existência!
Pensar sobre o nada é ter a certeza do vazio em que vivemos. Perdemos capacidades, a identidade, a necessidade de conquista e acomodamo-nos.
Observamos o mundo pelas janelas...
Há movimento, há conquista, há mudança e repetição. Somos nós, são os outros. Somos atores e redatores. Sonhadores e acomodados. Somos o tudo e o nada.
«Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!»
E hoje, mais do que nunca, não sabemos quem somos, por onde andamos, quem fomos e o que seremos.
Então resta-nos o sonho. Esta capacidade de percorrer o mundo. Viajar pelos céus, saltar de nuvem em nuvem. E, talvez, perceber o propósito da nossa existência.
E como escreveu Fernando Pessoa: «Para viajar basta existir». Então, na certeza de que existimos, viajemos pelos sonhos. Sempre é qualquer coisa...